Você sabia que 99% de uma xícara de café é composto por água? Sua influência na qualidade final de uma extração é tão importante que a Associação Americana de Cafés Especiais, ou SCAA (Sigla em inglês), elaborou um protocolo de qualidade para a água utilizada no preparo de cafés especiais:
Se ligue nos rótulos
Os rótulos de águas minerais possuem algumas informações que podem nos guiar para obter melhores resultados, seguindo as recomendações da tabela da SCAA.
Observar a concentração de Sódio, Resíduos de Evaporação, e também o pH, quando esse estiver presente, pode ser um bom começo para a escolha da água. As quantidades devem ficar o mais próximo possível das apresentadas pela tabela da SCAA.
Cloro também é inimigo do café
A alta concentração de cloro utilizada pelas concessionárias faz com que seu uso não seja recomendado para o preparo de café. Uma solução seria utilizar filtros com a capacidade de remover cloro ou optar pela água mineral. Mas nesse caso fique atento, pois a água mineral pode apresentar Sódio acima do recomendado.
Além das características recomendadas, a forma de utilização da água também requer alguns cuidados. A preparação de café é um dos tópicos mais complexos e foco de diversos estudos científicos, embora a literatura seja escassa. O processo pode ser resumido nas fases de Pré-Infusão ou Blooming e Extração Principal.
Pré-Infusão ou Blooming
Para se preparar o café, inicialmente é preciso umedece-lo, o que significa que o pó de café irá absorver e reter parte da água.
Ar, compostos voláteis e outros gases (principalmente o gás carbônico) são desprendidos, causando uma efervescência, ou “Blooming”. Algumas máquinas de espresso possuem a pré-infusão programada, para que o pó de café seja previamente umedecido antes da extração principal.
Extração Principal
Com o café umedecido, gases e compostos voláteis são eliminados e, simultaneamente, compostos solúveis são dissolvidos na água. Quando um produto é colocado em contato com um solvente, alguns compostos do produto se comportam como solúveis e outros como insolúveis. Neste caso o produto é o café e a água é o solvente. É através dessas reações químicas e físicas entre café e água que temos a bebida café.
Atualmente, o método utilizado por especialistas para quantificar uma extração é a porcentagem de sólidos solúveis em relação à quantidade de café utilizado na preparação. Em geral, o valor ideal para esta porcentagem fica entre 18% e 22%. Variações abaixo destes valores resultam em cafés ácidos e doces e, acima, resultam em cafés adstringentes e amargos. Alguns fatores podem influenciar nessa porcentagem, como a proporção entre café e água, o tempo de infusão, temperatura e agitação. Percebeu como a água influencia no resultado final?
Reações químicas envolvidas na extração
- Processo de Dissolução: A solubilidade em água de determinados compostos permite que eles sejam dissolvidos na bebida. Entre estes compostos destacam-se os ácidos clorogênico, acético e málico, e a cafeína.
- Hidrólise: Tipo de reação que extrai compostos solúveis do café através da alteração ou quebra desses compostos pela água, normalmente ácidos orgânicos.
- Processo de difusão: Neste processo ocorre um fluxo de uma solução mais concentrada (café), em direção à outra menos concentrada (água), que se dá através da parede celular do grão.
Ferver a água jamais!
A temperatura da água é fator chave para uma boa extração. A água quente é utilizada para acelerar as reações químicas e aumentar a solubilidade de determinados compostos químicos. Existem cafés extraídos a frio, mas esse método demanda um longo tempo de extração, que pode chegar a inacreditáveis 12 horas.
O brasileiro se habitou a ferver a água do café, mas esse é outro mito que prejudica a qualidade da bebida final. Em geral, os valores de referência de temperatura ficam entre 90oC e 96oC. Abaixo destes valores podemos ter uma sub extração de compostos solúveis, resultando em cafés sem corpo e sensorialmente pobres ou flats. Já para temperaturas acima, o resultado é a extração de compostos amargos e adstringentes que aumentam proporcionalmente com a temperatura.
Se você não tem como medir a temperatura da água para não deixá-la ferver, a dica é observar o fundo do recipiente aonde a água está sendo aquecida. Quando começar a formar aquelas pequenas bolhas de ar, desligue o fogo, essa é a temperatura próxima a ideal. Também é possível ferver a água e aguardar alguns segundos até que sua temperatura abaixe dos 100oC.
Tanta ciência é fundamentada única e exclusivamente para extrair o que há de melhor em um bom café e para proporcionar um agradável momento de degustação. Então, que tal deixar a teoria de lado e ir correndo começar seus experimentos?!
Leia Também: A Água também interfere no Café (Parte 2)
[Por: Ronaldo Muinhos, Diretor e especialista em café do Buenavista Café]