A Terceira Onda do Café

Acompanhamos, despercebidamente, um movimento crescente no mercado de cafés no país. O surgimento de marcas de cafés, micro torrefações e cafeterias que investem em alta qualidade, não só do insumo, mas também na forma de preparo e filosofia de negócio, principalmente encabeçado por pequenas marcas locais e independentes. É a chamada “Terceira Onda do Café” ou “Third Wave Coffee“.

O termo surgiu em meados do ano 2000, mas teve sua popularização nos últimos anos. É um movimento forte nos Estados Unidos e Europa e que aos poucos ganha força por aqui.

Cafés Especiais x Commodity

Arábica da variedade Acaiá da Fazenda Santa Quitéria, parceira do Buenavista Café.
Arábica da variedade Acaiá da Fazenda Santa Quitéria, parceira do Buenavista Café.

Alinhada à exigência crescente dos consumidores por qualidade, o movimento valoriza o café como um produto artesanal em vez de uma mercadoria ou commodity. A busca pela qualidade envolve todas as fases de produção, desde o cultivo, passando pela colheita, processamento, torras frescas e principalmente, uma forte relação com os produtores, através de um comércio justo e sem pressões por preços baixos, prática comum da grande indústria.

Classificação do café.
Classificação do café.

A popularidade da Terceira Onda ganha força com a crescente procura por grãos de alta qualidade, com destaque para os Especiais, cafés com pontuação acima de 80 pontos na metodologia da Associação Americana de Cafés Especiais (SCAA). São cafés isentos de defeitos, produzidos sob rigorosos controles de qualidade, além de exigências nas áreas social e ambiental, sempre homologadas por certificações internacionais, como a UTZ, Rain Forest, CertificaMinas e Direct Trade.

As Três Ondas

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A Primeira Onda

Atribui-se à Primeira Onda do Café o aumento significativo e proliferação do consumo da bebida em todo o mundo, a partir do final do século XIX e início do século XX. Inicialmente, o consumo de café tinha característica essencialmente utilitária, visando ao estímulo de energia e melhoria de concentração e desempenho decorrentes da ingestão de cafeína. Caracterizava-se pela baixa qualidade dos cafés, essencialmente compostos por grãos conilon (robusta). Com torras de muito escuras, apresentavam sabor amargo e com pouco “corpo” na bebida.

Leia: Café Forte, desconstruindo um mito!
A Segunda Onda

Nesta onda, popularizou-se os conceito de cafés especiais e as diferenciações de origem, ou seja, o reconhecimento de que um café do Brasil é diferente de um da Colômbia, ambos diferentes do café da Guatemala e assim em diante. Também, descobriu-se que variações no processo de torra levariam a bebidas com perfis sensoriais variados e distintos daquele padrão da Primeira Onda.

O café passou, então, a ser apreciado, mesmo não perdendo completamente sua característica de consumo utilitário.

A Segunda Onda foi responsável pela popularização do espresso e sua apresentação para o mundo. Nesta onda, aumentou, consideravelmente, a variedade disponível de bebidas à base de café e de perfis de sabor desta bebida, permitindo a apreciação, também, por um público mais jovem.

A Terceira Onda

O movimento começou como uma reação à massificação e padronização dos cafés na Segunda Onda, torrados quase sempre em excesso, e preparados de modo a alcançar sempre os mesmos perfis de sabor, de forma a manter a consistência de produto, atendendo às expectativas daquele público consumidor.

O distanciamento destas e outras práticas, associadas à Segunda Onda, levou à utilização exclusiva de cafés especiais, com uso quase exclusivo de grãos da espécie arábica, e a uma grande atenção às suas notas aromáticas de sabor, altamente influenciadas pela origem de produção (terroir), métodos de produção e processamento, bem como condições climáticas e outros fatores. Nessa ótica, o café passa a ser encarado como produto complexo e sazonal, passando por um processo de completa “descommoditização”.

Outras formas de diferenciação e agregação de valor ao produto incluem seu preparo artesanal, manualmente, sem pressa, em frente ao cliente e em doses únicas (sob demanda), bem como a utilização de latte art. Desta forma, a bebida torna-se exclusiva e singular, motivo pelo qual é incentivado seu consumo sem aditivos, como açúcar ou chocolate, que mascaram suas notas aromáticas e de sabor, tão desejadas e trabalhadas ao longo de toda a cadeia.

Repost from @blackupcoffee

A photo posted by Hario Tokyo (@hario_japan) on

A visão “Seed to Cup” da Terceira Onda influenciou, também, a busca por torras e métodos de preparo que ressaltassem as características únicas de aroma e sabor obtidas, por meio dos diversos métodos de produção e processamento, trabalhados conjuntamente pelos elos da cadeia desde o início do processo.

Na Terceira Onda, o espresso ainda tem seu espaço, mas é preparado de forma mais manual e menos automática, e cede espaço para os métodos de preparo de café filtrado, os grandes protagonistas desta onda. Dentre estes métodos, que permitem uma maior extração de sabor e destaque das nuances únicas dos cafés, destacam-se o V60, Chemex, Kalita, AeroPress, French Press, Siphon e Cold Brew. Justamente por permitir maior destaque das características distintivas de cada grão, há grande preferência pela utilização de grãos de origem única, ou seja, apenas uma variedade e sem misturas, ou blends.

Many V60s at the photo taken by @morifuji_coffee #hario #v60

A photo posted by Hario Tokyo (@hario_japan) on

As mudanças não param

Impulsionado pelo desejo de novas experiências, nossa criatividade nos levam à cenários inimagináveis. Não sabemos o que ainda está por vir no mercado de cafés, nem como será a “Quarta Onda”, mas percebemos pequenos movimentos relacionados à tecnologia.

Hoje já podemos encontrar Gadgets controlados por smartphones, que medem todos os parâmetros de uma extração, tempo, quantidades de água, café e proporções. Em breve poderemos ter a inclusão de medidores de sólidos solúveis na bebida além de outras inovações.

Muitos aplicativos para smartphones e tablets auxiliam o consumidor final para o preparo de café em diferentes métodos, utilizando técnicas e protocolos antes restritos aos baristas. O conhecimento está saindo das mãos dos profissionais e chegando até a última ponta da cadeia através da tecnologia.

Internet das Coisas (Internet of Things – IoT)

A Internet das Coisas é uma revolução tecnológica destinada à conectar dispositivos eletro-eletrônicos utilizados no dia-a-dia. Pode ser uma geladeira, seu carro ou porque não, sua máquina de café espresso? A convergência da tecnologia IoT com as máquinas de café espresso por exemplo, já são uma realidade.

Enquanto a próxima onda não vem, podemos apreciar as incríveis experiências da onda atual, repleta de descobertas e sabores incríveis!

[Por: Ronaldo Muinhos, Diretor e especialista em café do Buenavista Café]

Fontes:

  1. Terceira Onda do Café: Base Conceitual e Aplicações (Elisa Reis Guimarães, UFLA, 2016);
  2. Relatório Internacional de Tendências do Café (VOL. 5 / Nº 10 / 30 de novembro de 2016).

Cappuccino, estamos fazendo isso errado!

Existe uma grande diferença entre o que o brasileiro entende ser um cappuccino e o que a tradição desta bebida de fato corresponde.

Analisando os ingredientes entre as duas versões, é possível constatar que há algo de estranho na nossa versão:

Ingredientes do Cappuccino brasileiro:

Açúcar, leite em pó integral, café solúvel, leite em pó desnatado, estabilizante bicarbonato de sódio, cacau em pó, espessante carboximetilcelulose, antiumectante fosfato tricálcico e canela em pó.

Ingredientes da receita original:

1/3 de café espresso, 1/3 de leite e 1/3 de espuma de leite;

Cappuccino em sua receita original
Cappuccino em sua receita original

A palavra Cappuccino tem origem no termo em latim Caputium, é o diminutivo de cappuccio, em italiano, que significa pequeno capuz. Segundo as histórias, o nome da bebida se relaciona à cor marrom dos hábitos dos monges da ordem capuchin, inspirados nas vestimentas preservadas de São Francisco de Assis, que datam do século XIII.

Túnica de São Francisco de Assis preservada na igreja St.Francis em Cortona, Itália (1155-1225).
Túnica de São Francisco de Assis preservada na igreja St.Francis em Cortona, Itália (1155-1225).

Tradição x Oportunismo

A nossa versão industrializada do cappuccino em nada lembra a simplicidade da receita original, na verdade, a indústria de alimentos se aproveitou, indevidamente, do seu nome de grande tradição para lançar seu “preparado à base de café solúvel”, sempre com muito açúcar.

As tradições existem para serem preservadas, mas também podem ser o ponto de partida para inovações. Não são regras, e podem ser adaptadas para que possamos ter novas experiências. Mas respeitar uma tradição é respeitar seus precursores,  e uma forma de agradecimento por seus momentos de criatividade que tornaram nossas vidas melhores.

Variações do cappucino podem levar canela e chocolate em pó, polvilhados sobre a receita tradicional. O Latte e o Macchiato são receitas similares, que levam também o espresso e o leite vaporizado.

Cappuccino em casa, como fazer?

A receita tradicional é feita em máquinas de espresso, onde é possível fazer o leite vaporizado, além do próprio espresso. Algumas máquinas de espresso para casa também possuem a função de vaporização de leite. Mas se não temos uma máquina dessas, ainda é possível preparar uma bebida muito próxima do cappuccino.

O mais importante é respeitar as proporções de 1/3 de café, 1/3 de leite e 1/3 de espuma. Para o café, podemos preparar um coado mais intenso, ou na moka (cafeterira italiana). Já com o leite, o processo é um pouco mais complicado, mas ainda assim possível fazer.

Existem no mercado cremeiras próprias para essa função, também é possível criar a espuma com um pequeno mixer. Se você já tiver em casa uma cafeteira francesa, ou Frenchpress, é possível utilizá-la como uma cremeira. Abaixo um vídeo com maneiras diferentes de criar espuma com o leite em casa. O leite integral oferece os melhores resultados por conter porcentagem maior de gordura.

Gosto é questão pessoal

Entendemos que gosto é muito pessoal. Temos como objetivo, apenas tentar desmistificar alguns conceitos que nos são informados de forma errônea. A cultura do café é milenar e precisa ser preservada.

Esperamos que  seu próximo cappuccino seja repleto de sabores e histórias!

[Por: Ronaldo Muinhos, Diretor e especialista em café do Buenavista Café]