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Desenvolvendo um Perfil de Torra

Por Ronaldo Muinhos, Diretor e especialista em café do Buenavista Café.

A torra de café por perfil, ou curva de temperatura, é um método que vem ganhando espaço em relação ao controle visual de cor por proporcionar maior precisão e repetibilidade de um mesmo padrão de torra. Os resultados obtidos são lotes homogêneos, maior controle de qualidade e possibilidade de ajustes finos para potencializar os atributos de qualidade de um grão.

Perfil ou Curva de Temperatura

Mas o que é um perfil de torra? Um perfil nada mais é que um gráfico relacionando o tempo e a temperatura, onde o eixo horizontal representa o tempo, geralmente feito a cada 60 segundos ou 30 segundos para gráficos mais precisos, e o eixo vertical apresentando a temperatura interna dos grãos. A curva ou perfil é a linha que liga os pontos de Minuto x Temperatura no gráfico e representa a evolução da temperatura interna dos grãos desde a hora em que entram no tambor de torra até o momento em que são despejados na bandeja de resfriamento, interrompendo assim o processo de torra.

Representação gráfica de um perfil de torra (Temperatura x Tempo - período de 60 segundos)
Representação gráfica de um perfil de torra (Temperatura x Tempo – período de 60 segundos)

Além da temperatura e tempo, a torra por perfil também possui uma terceira variável, o fluxo de ar. O ajuste do fluxo de ar no tambor proporcionará alterações na curva de torra, aumentando ou diminuindo a progressão da temperatura.

Variáveis da Torra por perfil

Temperatura

Em geral, as torras por perfil se iniciam entre 140ºC e 170ºC, neste ponto não há regra, cabe ao mestre torrador definir uma melhor temperatura inicial, de acordo com o equipamento e o grão utilizado. Após a entrada dos grãos em temperatura ambiente no tambor de torra, a curva irá apresentar uma queda até que a temperatura dos grãos e do ar interno do tambor se iguale, este ponto é chamado de temperatura de fundo ou turning point. A seguir, com os grãos absorvendo calor se inicia a curva ascendente de temperatura até atingir o ponto desejado ou temperatura final. A temperatura final possui grande influência no resultado sensorial da bebida, temperaturas muito elevadas produzirão cafés com altas taxas de carbonização resultando em bebidas amargas, sabor de queimado, nenhuma acidez e pouco corpo, por outro lado, temperaturas finais muito baixas produzirão cafés subdesenvolvidos, acidez agressiva, baixa doçura e alta adstringência.

A progressão da temperatura ou rampa de temperatura aumenta seguindo determinada taxa, de acordo com o controle da chama utilizada, chama maior, maior taxa de aumento, menor chama, menor taxa. Esta taxa, também chamada de RoR de sua sigla em inglês Rate of Rise, também tem influência direta no perfil, uma RoR baixa significa maior tempo de torra e vice versa. No início da torra, temos uma RoR negativa até que a temperatura dos grãos e tambor se igualem chegando ao turning point, a partir daí a RoR segue positiva até o fim. Uma RoR de 7ºC em 60 segundos, significa que os grãos aumentam 7ºC de temperatura a cada minuto da torra, como ilustrado na figura abaixo (campo “ºC Média”).

Painel do Sistema de Torra Buenavista, destaque para a ºC Média, ou Rate of Rise (RoR)
Painel do Sistema de Torra Buenavista, destaque para a ºC Média, ou Rate of Rise (RoR)

A RoR pode variar de acordo com a chama utilizada, a massa térmica ou o peso da carga de grãos utilizada, umidade dos grãos, temperatura ambiente e temperatura do torrador (totalmente aquecido ou primeiras torras). Uma RoR muito baixa poderá produzir cafés “assados” ou flats, defeitos onde os compostos aromáticos não foram bem desenvolvidos. Um RoR alta, não necessariamente produzirá melhores resultados. O trabalho do mestre torrador deve ser de encontra o RoR ideal para cada grão, por exemplo, um RoR alto no início da torra pode desenvolver melhor a acidez, enquanto um RoR baixo pode ajudar a desenvolver a doçura. Tudo vai depender do grão utilizado e a finalidade ao qual será destinado, seja para o espresso ou métodos da Terceira Onda.

Leia também: A Ciência da Torra

A RoR deve ser ajustada sempre que a torra atingir o momento do primeiro Crack, ou ruptura da estrutura celular dos grãos, uma vez que o aumento da RoR nesta fase poderia gerar cafés com carência de doçura. Ajuste-a sempre com pequenas mudanças na chama, uma vez que a resposta não é imediata.

Tempo

O tempo corresponde ao eixo horizontal pelo qual o perfil se desenvolve e é iniciado assim que o café é despejado no tambor de torra. O tempo para atingir a temperatura final pode variar de acordo com o tamanho do torrador, carga, umidade do grão e a RoR. O tempo está relacionado ao amargor e acidez de um café e também pelo desenvolvimento dos compostos aromáticos. Uma torra rápida demais pode produzir cafés com alta adstringência, acidez agressiva e notas que lembram palha, juta e amendoim. Torras com tempo elevado podem produzir cafés flats ou “assados”, com pouco desenvolvimento de aromas, sabores, doçura e complexidade.

Fluxo de Ar

O fluxo de ar durante a torra é controlado manualmente ou via software embarcado, através de válvulas que regulam a entrada de ar externo que é sugado por motores para dentro do tambor de torra. Torradores que não possuem fluxo de ar produzem cafés defumados ou com sabores e aromas de fumaça e cinzas, o que também pode ocorrer quando o fluxo de ar é mínimo, a torra desta forma é feita por altos níveis de condução, ou seja, pela troca de calor diretamente através do contato das paredes do tambor para o café. Já para fluxos muito altos de ar (altos níveis de convecção), ocorre uma desidratação acentuada dos grãos diminuindo o rendimento, ou seja, o peso final do café produzido, além de apresentar baixa doçura.

É possível ajustar o fluxo de ar durante a rampa de temperatura para objetivos diversos. Ao aumentar o fluxo de ar, a RoR tem um aumento inicial uma vez que o ar adicionado rapidamente funcionará como combustível para a chama, logo depois apresentará uma estabilização e diminuição da RoR por conta do ar externo mais frio. Por isso, não é recomendável aumentar o fluxo de ar durante o primeiro Crack para que a RoR não aumente e comprometa o desenvolvimento da doçura, já que em geral, as torras são finalizadas logo após o primeiro crack, talvez aumentar o fluxo 1 ou 2 minutos antes seria o mais indicado.

Fluxo de Ar em um torrador
Fluxo de Ar em um torrador

O fluxo de ar não deve ser utilizado para controlar a rampa de temperatura ou RoR. A maneira e intensidade em que é utilizada dependerão do equipamento, grão e resultado que se quer obter. Cabe ao mestre torrador determinar, através de experiências, qual será a configuração do fluxo de ar para cada perfil. Outra função do fluxo de ar é retirar fumaça, vapor e películas prateadas (silverskin) do tambor de torra.

Sistemas de Controle de Torra por Perfil

Em muitos casos, o controle de torra é feito através de planilhas. O Buenavista Café desenvolveu um aplicativo para controle de torras por perfil de maneira didática e que facilita muito todo o processo. Com ele é possível determinar o RoR (ºC Média), a projeção da temperatura para o próximo minuto, a diferença ou gap para o perfil modelo. Também é possível utilizar um perfil já desenvolvido como modelo durante a torra. Além do perfil de torra, ele conta também com cadastro de produtores, lotes de cafés e cupping padrão SCA (Specialty Coffee Associate).

Software Coffee Roast

Desenvolva seu Perfil

Com base nas informações das variáveis e como cada uma influencia o resultado final na xícara, estabeleça uma temperatura final adequada para o grão que irá torrar. Isto pode ser feito torrando pequenas amostras em diferentes temperaturas finais, anote cada parâmetro, como perda de peso em %, tempo e temperatura final e o perfil sensorial.  Após provar cada amostra, determine a temperatura final e o tempo para alcançar esta temperatura. Determine a RoR e o fluxo de ar em cada fase da rampa para potencializar atributos desejáveis e amenizar os indesejáveis. Para cada torrador, quantidade e grão utilizado, deve ser desenvolvido um novo perfil. Tenha consistência durante o processo torrando sempre a mesma quantidade e provando cada lote. Faça sempre uma reavaliação e ajuste o perfil se necessário.

Benefícios da Torra por Perfil

A torra por perfil apresenta muitos benefícios em relação a torra por cor. Ao elaborar um perfil de torra, o mestre torrador tem maior controle sobre os atributos do grão e é capaz de potencializar as qualidades e amenizar pontos negativos, como uma acidez excessiva por exemplo. Após a definição de um perfil, o mestre de torra pode delegar a função para outras pessoas, seguindo o perfil pré-determinado. Através do perfil, é possível obter um café exclusivo, mesmo que outras pessoas trabalhem com o mesmo grão, além disso, é construída uma base de dados, fundamental para o conhecimento preciso do grão e de suas diversas origens.

Let’s Roast!

A Ciência da Torra

Por Ronaldo Muinhos, Diretor e especialista em café do Buenavista Café.

A torra é responsável por mudanças físico-químicas que permite tornar o grão de café verde palatável para nós, além de desenvolver seus sabores e aromas característicos.

A torra do Buenavista Café é reconhecida por clientes, parceiros e publicações do setor por sua alta qualidade e precisão. Mas quais são os processos envolvidos nesta fase, que é considerada uma das mais importantes na cadeia cafeeira?

Processos da Torra

A torra do café verde normalmente ocorre em temperaturas acima de 200°C onde são desenvolvidos os sabores e aromas, além de alterações estruturais no grão.

As alterações físico-químicos que ocorrem  durante o processo de torra são complexos, envolvendo muitas interações entre compostos.

Principais eventos durante no grão de café durante a torra.

Durante a torra, calor proveniente do ar ou superfícies quentes do torrador é transferido para os grãos. O aumento interno da temperatura provoca a evaporação da umidade dos grãos em um processo Endotérmico. Com o aumento da temperatura, reações exotérmicas têm início, concomitantemente com a formação de compostos voláteis e CO2. Com o aumento da pressão interna, ocorre a expansão dos grãos, causando pequenas rachaduras em suas paredes, evento conhecido como crack. Quando se atinge o grau de torra desejado, os grãos são despejados em uma bandeja de resfriamento para interromper a torra. O resfriamento não deve ultrapassar os cinco minutos.

Mudanças Físico-Químicas

A torra de café é um processo altamente complexo, envolvendo um grande número de reações químicas e muitas reações físicas. Elas ocorrem entre 10 a 15 minutos para temperaturas acima de  200°C.

Nas últimas décadas, muitos pesquisadores investigaram as mudanças do café durante o processo de torra, mas não foram capazes de determinar por completo este processo.

Mudanças Químicas

O principal carboidrato presente no grão verde é a sacarose. Em geral, grãos Arábica possuem duas vezes mais sacarose que grãos Robusta ou Conilon. Durante a torra, a sacarose é rapidamente degradada, permanecendo uma pequena quantidade no grão torrado. Esta pequena quantidade de sacarose sofre um processo de pirólise e caramelização. Uma pequena fração desta sacarose residual é hidrolisada em glicose e frutose, que terão papel importante na reação de Maillard, responsável, principalmente, por conferir cor e sabor ao café.

Outros compostos químicos importantes que sofrem alterações são os ácidos clorogênicos, lipídios e compostos contendo nitrogênio.

Reação de Maillard

A reação de Maillard tem muita importância para a qualidade final do café.  É através dela que o grão adquire sua cor marrom e seus aromas característicos. Esta reação foi primeiramente descrita pelo químico francês Louis-Camille Maillard em 1912.

Nesta reação ocorre a degradação de carboidratos e aminoácidos, que formam compostos de coloração escura chamados maloidinas. Ocorre também a formação de compostos voláteis responsáveis pelo aroma.

Pirólise

É a decomposição de materiais pela ação de altas temperaturas. Neste processo, ocorre a ruptura da estrutura molecular original do grão pela ação do calor em um ambiente com pouco ou nenhum oxigênio.

Mudanças Físicas
Espectro de torra.
Espectro de torra.

A cor dos grãos mudam progressivamente, passando do verde ao marrom escuro. A cor final dependerá do ponto de torra desejado. Com a desidratação e pirólise, há uma perda de massa entre 14% a 20%, o que pode variar com o grão utilizado e também o ponto de torra, sendo que em torras mais escuras, teremos maior perda. Uma torra de 1Kg de café verde pode produzir cerca de 850g de café torrado, por exemplo (15% de perda).

Outra mudança significativa é o aumento do tamanho dos grãos devido a formação de CO2, vapor e compostos voláteis. Os grãos podem aumentar seu volume em até 40%, com isso sua densidade diminui proporcionalmente. Ocorre também a formação de porosidades (citoplasmas), onde se alojam muitos compostos responsáveis pelo sabor como lípidos, proteínas, carboidratos, cafeína, ácidos clorogênicos e minerais.

Diferença de porosidades no café verde e torrado
Diferença de porosidades no café verde e torrado.

Torradores

Os equipamentos de torra são desenvolvidos para permitir que ar quente e grãos entrem em contato entre si para que o processo de torra ocorra. Existem vários tipos de torradores mas, em geral, apresentam seis componentes básicos:

  1. Tambor de Torra, onde os grãos são torrados;
  2. Misturadores presentes no tambor para homogenizar as trocas de calor;
  3. Controle de Temperatura;
  4. Controle de Fluxo de Ar;
  5. Bandeja de Resfriamento;
  6. Coletor de Películas.
Componentes básicos de um torrador de café.
Transferências de Calor

Os torradores atuais, em geral, contém os três tipos de transferência de calor atuando em conjunto em diferentes graus, dependendo da característica do equipamento. A transferência por convecção é a predominante nas tecnologias atuais.

Transferência por Condução

Ocorre através do contato físico do grão com a parede aquecida do tambor de torra. A utilização do aço-carbono oferecem uma temperatura uniforme em toda a superfície do tambor.

Transferência por Radiação

Ocorre por meio de ondas eletromagnéticas, é uma fonte secundária de calor.

Transferência por Convecção

Este tipo de transferência ocorre através do aquecimento do ar na parte inferior do tambor, este ar aquecido sobe e o ar mais frio de cima desce, ocorrendo um processo circular.  Geralmente os tambores de torra são perfurados para aumentar este tipo de transferência, considerado a mais eficiente.

Controle do Grau de Torra
Controle por Cor ou Visual

Para controlar o ponto de torra desejado são utilizados duas principais técnicas. A primeira, e mais comum, é o controle pela cor, ou controle visual. Nela, o Mestre Torrador acompanha a evolução na cor dos grãos por um coletor de amostras. Quando o café atinge a coloração pretendida, é interrompido o processo e o café é então resfriado. Pode ser utilizado tabelas de cores de referência, como as tabelas Agtron.

Neste tipo de controle podem ocorrer variações no ponto de torra, decorrente de algumas interferências na detecção da cor do grão pelo olho humano. Essas interferências podem ser na luminosidade do ambiente, claridade do dia, e a diferença de visão entre pessoas. Até o simples hábito de verificar o celular durante o processo pode interferir negativamente na identificação da cor, por conta da interferência na visão pela luminosidade do aparelho.

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Controle por Perfil

A torra por Perfil é uma técnica mais moderna e precisa e que proporciona maior reprodutibilidade de um mesmo ponto de torra.

Perfil de torra  é o gráfico que descreve a temperatura em relação ao tempo de torra. Geralmente o controle é feito por sistemas informatizados, onde é possível acompanhar minuto a minuto se a temperatura da torra está seguindo o perfil determinado para aquele café.

Perfil de torra no sistema desenvolvido pelo Buenavista Café.
Perfil de torra no sistema desenvolvido pelo Buenavista Café.

Para cada café é desenvolvido um perfil de torra que potencialize suas qualidades e minimize seus atributos indesejados, como uma acidez agressiva por exemplo. Os passos para se desenvolver um perfil de torra são descritos abaixo:

  1. Determinar o ponto de torra ideal, ou temperatura final, através da experimentação, partindo de um perfil padrão;
  2. Determinar o tempo de torra ideal para atingir a temperatura final;
  3. Desenvolver o perfil para a temperatura final e tempo através dos ajustes na intensidade da chama e fluxo de ar.
Exemplo de uma torra em andamento no Sistema Buenavista Café. A linha vermelha é o perfil almejado e a azul a torra atual. Percebe-se que a temperatura atual apresenta-se maior que a do perfil.
Exemplo de uma torra em andamento no Sistema Buenavista Café. A linha vermelha é o perfil almejado e a azul a torra atual. Percebe-se que a temperatura atual apresenta-se maior que a do perfil.

Para quem deseja se aprofundar no assunto, e se tornar um Mestre de Torra, o Buenavista Café oferece o Curso Básico de Torra por Perfil. Além de toda a base teórica, o aluno tem a oportunidade de torrar amostras de café aplicando os conhecimentos.

Interessados em adquirir cópia de nosso Sistema de Torra por Perfil podem fazer o pedido na nossa Loja On-line!

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Boas Torras!