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É possível valorizar o consumo de café em restaurantes

Por Joice Castilho, Marketing do Buenavista Café.

Restaurantes investem cada vez mais na qualidade de seus pratos mas esquecem de incluir nessa lista de exigências o cafezinho que, tradicionalmente, encerra a refeição dos brasileiros.

A qualidade do café que você serve está à altura de seus pratos?
A qualidade do café que você serve está à altura de seus pratos?

A cena é clássica, seu cliente pede o cardápio, escolhe uma entrada, a bebida, enquanto  decide por qual prato principal pedir. Para ajudar, solicita algumas explicações ao garçom e vai imaginando o menu enquanto ele explica o quão frescos e selecionados são os ingredientes, que foram escolhidos pessoalmente pelo chef.

Propaganda feita, o cliente se anima, faz o pedido, saboreia o prato e finaliza com a sobremesa. Tudo de-li-ci-o-so! Uma experiência gastronômica fantástica. Você então se sente satisfeito por conquistar mais um cliente. Só que não… Ele então decide pedir um café.

Gosto amargo

Café? Bom, você não pensou muito nesse detalhe e decidiu pela marca que dava mais vantagem, material de PDV, essas coisas, e nem pesquisou sobre o assunto.

Mas o que você esqueceu (e você não é o único) é que o seu cliente, assim como um apreciador da boa gastronomia, é também um apaixonado por café.

Pois bem, vai ser justamente o sabor do cafezinho que você escolheu servir que ele vai levar no paladar, e não o sabor dos temperos importados que você usa, ou daquele molho que levou dias para apurar.

O “detalhe” que amargou a experiência de seu cliente foi a qualidade do café que você não se preocupou muito em escolher para servir. Grãos torrados excessivamente, gosto residual ruim, forte amargor… A lista de defeitos pode ser longa.

Grand finale

Um serviço de qualidade também passa pelo café de qualidade.
Um serviço de qualidade também passa pelo café

O café é, na grande maioria das vezes, o último item a ser servido em uma experiência gastronômica e talvez um dos menos lembrados em restaurantes.

Os estabelecimentos que já perceberam isso e investem em cafés especiais, de qualidade, lucram e muito com essa escolha. É o grand finale, a cereja do bolo, o “fechar com chave de ouro”. É oferecer na xícara um tesouro do país que cultiva os melhores cafés do mundo, mas que insiste em servir os piores.

Se você está no time dos que acreditam que o café precisa estar à altura da qualidade dos pratos, já compreendeu que um serviço de qualidade passa por todos os itens de um pedido, da água ao café, da entrada à sobremesa. Se ainda não tinha se atentado para o fato, sempre é tempo de buscar por cafés de qualidade e incluir mais um diferencial nessa conta.

Nova pesquisa encontra inseto em café comercial

[Por: Ronaldo Muinhos, Diretor e especialista em café do Buenavista Café]

Proteste, associação de defesa do consumidor, divulgou nesta quinta-feira (17/08/2017), os resultados de um teste de segurança alimentar – com base no regulamento técnico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – em amostras de oito marcas de café, entre elas Caboclo, Pilão, Melitta e 3 Corações, uma apresentou quantidade de matéria estranha, como fragmentos de insetos, superiores à permitida por lei.

Quantidade permitida

Conforme a legislação da Anvisa, a quantidade permitida de corpos estranhos nos alimentos analisados é de 60 fragmentos de insetos em 25 gramas de café em pó.

Leia Também: Mineiros bebem café impróprio para consumo. 

Os resultados mostraram que as amostras das marcas Caboclo e Pilão não indicaram a presença de matérias estranhas microscópicas ou microscópicas. Já a 3 Corações, apesar de estar dentro do limite permitido, apresentou 15 fragmentos na amostra de 25 gramas.

Inseto no café Melitta

Por outro lado, o café Melitta apresentou uma quantidade superior à permitida pela vigilância sanitária. A amostra analisada revelou 13 fragmentos de 25 gramas e um inseto inteiro morto – que não está previsto na legislação. Segundo a Proteste, isso indica a possibilidade de falhas no processo de produção, manipulação ou armazenamento do produto.

O que diz a empresa

“Em relação aos testes realizados pelo Instituto Proteste com um lote especifico do café em pó Tradicional embalagem Pouch 500g da Melitta do Brasil, a empresa afirma que desconhece os procedimentos utilizados para o teste dos produtos e reitera que prima pela qualidade, atende e respeita todas as regras da legislação aplicada pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

A marca tem como prioridade entregar a excelência no produto final e, para isso, possui diversos processos de controle, além de certificados que comprovam o alto nível de qualidade em seus processos, como o Selo de Pureza ABIC (Associação Brasileira da Indústria do Café), o Certificado ISO 9001 de gestão de qualidade, o Programa de Qualidade do Café da ABIC e o Programa de Boas Práticas de Fabricação.

A empresa afirma ainda que realiza análises periódicas com laboratórios independentes certificados e que em nenhum momento foram encontradas as irregularidades divulgadas pelo Instituto Proteste. Por respeito e responsabilidade ao consumidor, a Melitta do Brasil vai recolher o lote em questão para refazer as análises.”

O que diz a ABIC (Associação Brasileira da Indústria do café)

“(…)A indústria de café tem adotado limites cada vez mais rígidos e menores para a presença de broca nos lotes de café que ela adquire. Isto tem sido um procedimento cada vez mais rigoroso por parte das indústrias e é uma exigência da ABIC aos seus associados em seus programas de qualidade e certificação. A ABIC tem mantido contatos frequentes com a Anvisa para interpretar o método de análise indicado pela norma para a avaliação do café. A conclusão é que o método de análise por quantificação de fragmentos é inadequado e não assegura confiabilidade aos resultados pois em testes realizados pela ABIC o mesmo produto pode apresentar resultados diferentes e com isto prejudicar a avaliação e as marcas testadas. O assunto ainda necessita de mais estudos e discussões.

Importante lembrar que o grão de café é torrado a 230ºC, moído e no preparo da bebida a água, junto com o pó de café passam por um coador e/ou filtro, eliminando qualquer possibilidade de algum fragmento estar presente na xícara do consumidor.(…) As indústrias associadas têm produtos certificados com o Selo de Pureza e Qualidade, e garantem a segurança alimentar. A presença da broca tem sido combatida e discutida exaustivamente com a Anvisa desde 2015, inclusive quanto à validação do método de análise e contagem dos fragmentos de broca. A Associação Brasileira da Indústria de Café – ABIC, reitera seu compromisso com a segurança alimentar e o respeito aos consumidores e vai ampliar seu monitoramento sobre os cafés no mercado, especialmente com relação a incidência da broca e com o espírito da autorregulamentação, que fez dos seus programas de certificação um exemplo em todo o mundo e no Brasil.” 

O que achamos

Como sempre, a grande indústria de café utiliza respostas padrão para problemas historicamente conhecidos, sem apontar, pragmaticamente, soluções para a segurança alimentar de seus produtos. Mas realmente ficamos assustados com a posição da ABIC, segunda ela:

ABIC: “Importante lembrar que o grão de café é torrado a 230ºC”:

230ºC não é uma temperatura fixa. Temperaturas finais de um processo de torra podem ter grande variação, dependendo do tipo de café que se quer obter. O processo de torra não elimina impurezas de um café.

ABIC: “Moído”:

O fato do café ser moído não impede que as impurezas sejam eliminadas, muito pelo contrário, quando se compra café já moído, o consumidor perde ainda mais a capacidade de identificar tais impurezas.

ABIC: “No preparo da bebida a água, junto com o pó de café passam por um coador e/ou filtro, eliminando qualquer possibilidade de algum fragmento estar presente na xícara do consumidor”:

Como uma Associação de cafés desconhece vários outros métodos de preparo de café além do tradicional coado? Métodos como frenchpress, espresso e cafeteira italiana, por exemplo, possuem filtros de metal com aberturas maiores que os filtros de papel, o que permite a passagem de micro partículas de café e também poderiam permitir a passagem de impurezas. Mesmo que as impurezas sejam filtradas, o que dizer sobre a interferência negativa destas impurezas na qualidade final do café? Merecemos tomar café com sabor de insetos?

Como comprar um café de qualidade?

A melhor dica é preferir as micro torrefações artesanais da “Terceira Onda do Café” às grandes marcas. Em geral, as micro torrefações focam totalmente em cafés de alta qualidade,prospectando e trazendo os melhores cafés especiais a cada nova safra. O processo de torra é mais controlado, utilizando um perfil de torra ideal para cada grão. Feito em pequenas quantidades, o controle de qualidade de cada processo e da matéria prima são minuciosos.

Outras informações sobre qualidade podem ser encontradas em nosso Post “Dicas para um café perfeito”.

Por fim, seja exigente, mude seus hábitos de consumo, ou continue tomando café de inseto!

Deguste um café como os profissionais!

Por Ronaldo Muinhos, Diretor e especialista em café do Buenavista Café.

Aprender como os profissionais degustam café pode ser uma interessante ferramenta para elevar nossas percepções sobre o café que tomamos, além de ser uma atividade prazerosa para fazer em grupo, compartilhando e discutindo suas impressões com os amigos.

Também é uma importante forma de calibrar nossos sentidos para percebermos qualidades e principalmente defeitos em um café.

O protocolo que vamos desenvolver aqui é o da Associação de Cafés Especiais (Specialty Coffee Association). O termo correto é classificação de café ou, mais usual entre os profissionais, o termo em inglês, Cupping.

Apesar de nos basearmos no protocolo da SCAA, vamos simplificar o processo, mas sem perder a essência,  para que seja possível a replicação em casa, sem acesso aos equipamentos profissionais, como os medidores de cor de torra, por exemplo. Quem se interessar pelo assunto, pode acessar o protocolo na integra aqui.

Requisitos do Cupping

Antes de provar o café, é necessário preparar o ambiente, o café que será degustado e os utensílios necessários:

Requisitos para o cupping. Os copos devem ter entre 207 ml to 266 ml.
Requisitos para o cupping. Os copos devem ter entre 207 ml to 266 ml.

Preparação da Amostra

Torra

  • O ideal é que se utilize café com a torra mais recente que for possível. Pelo protocolo da SCAA, torras entre 8 e 24 horas;
  • O café deve estar armazenado em local fresco e escuro, mas não refrigerado ou congelado.

Medidas

A proporção ideal de café é de 8,25 gramas para 150ml de água. Determine o volume de água do copo ou xícara que está utilizando e corrija a proporção.

Definindo a quantidade de café para a xícara.
Definindo a quantidade de café para a xícara.

Preparação do Cupping

  • O ideal é que o café seja moído imediatamente antes do cupping e não mais do que 15 minutos antes da infusão com a água quente. Se isto não for possível, as amostras devem ser cobertas e preparadas em no máximo 30 minutos após a moagem;
  • O café deve ser pesado em grãos e somente depois moído;
  • A moagem deve ser ligeiramente mais grossa que a moagem para coador;
  • Se for fazer o cupping de mais de uma amostra de café, o moinho deve ser limpo para evitar a interferência de cafés diferentes. Moa uma pequena quantidade do café e descarte para garantir que não fique café de amostra anteriores nas partes internas do moinho. Tampe imediatamente a xícara com o pó para preservar os aromas, pode ser com um pires.

Infusão

  • Utilizar água de boa qualidade, limpa e sem odor;
  • Aqueça a água até 93°C e despeje sobre o café;
  • A água quente deve ser derramada sobre o café até a borda da xícara. O tempo de infusão deve ser de 3 a 5 minutos, utilize um cronômetro.

Avaliação Sensorial

Na avaliação sensorial determinamos as diferenças entre as amostras provadas e seus perfis de sabores e aromas. Desta forma podemos apontar qual café nos agrada mais.

Amostra preparada para iniciar o cupping
Amostra preparada para iniciar o cupping

O objetivo é avaliar a qualidade de cada atributo de acordo com as experiências anteriores do avaliador.

Pontuação dos Atributos

A avaliação dos atributos é feita através de uma escala de pontuação, desta forma é possível comparar amostras em diferentes cuppings.

Escala de pontuação SCAA
Escala de pontuação SCAA

Formulário

Para auxiliar o avaliador a pontuar cada atributo, utiliza-se o Formulário de Cupping. Nele estão apresentados todos os atributos que deverão ser avaliados.

Formulário de Cupping da SCAA
Formulário de Cupping da SCAA

Os atributos avaliados são a Fragrância\Aroma, Uniformidade, Ausência de Defeitos, Doçura, Sabor, Corpo, Finalização ou Aftertaste e Equilíbrio. A pontuação de cada atributo de qualidade é somada subtraindo-se a pontuação dos defeitos, desta forma se obtém a pontuação total do café. Para cafés especiais, esta pontuação deve estar sempre acima dos 80 pontos.

Uma cópia do Formulário em português pode ser obtida aqui.

Avaliação dos Atributos

A seqüência de classificação de cada atributo baseia-se nas alterações da percepção do sabor causadas pela diminuição da temperatura do café à medida que esfria.

Passo 1 – Fragrância\Aroma

  • Após 15 minutos da moagem, a fragrância do pó seco deve ser avaliada através do olfato, aproximando-se bem o nariz;
  • Após a infusão da amostra descansar entre 3 a 5 minutos, a crosta que se forma deve ser quebrada com a colher de prova com 3 movimentos circulares de cima para baixo, enquanto a espuma correr na parte de trás da colher, o avaliador deve cheirá-la e aplicar a pontuação de acordo com sua avaliação;

Passo 2 – Sabor, Aftertaste, Acidez, Corpo e Equilíbrio

  • Quando a mostra se aproxima dos 71°C, cerca de 8 a 10 minutos da infusão, a avaliação do líquido deve começar aspirando-se rapidamente para que se espalhe por toda a língua e palato. Com a temperatura ainda elevada, vapores estão na sua intensidade máxima, neste momento, Sabor e Aftertaste devem ser avaliados.
  • Com a temperatura entre 70°C e 60°C, Acidez, Corpo e Equilíbrio devem ser avaliadas. Equilíbrio é a percepção do avaliador sobre a combinação e sinergia dos atributos anteriores.

Passo 3 – Doçura, Uniformidade e Limpeza de Xícara

  • A medida que o café se aproxima da temperatura ambiente, abaixo dos 37°C, são avaliados a Doçura, Uniformidade e Ausência de Defeitos ou Xícara Limpa. Para estes atributos, são atribuídos 2 pontos para cada xícara, no máximo de 10 pontos, uma vez que o cupping profissional são avaliados 5 xícaras com a mesma amostra. Caso se esteja fazendo com menos xícaras, duas por exemplo, cada uma poderá receber 5 pontos.
  • A avaliação deve terminar quando a temperatura se aproximar de 21°C. Neste momento o avaliador deve somar a pontuação de todos os atributos e anotar no formulário no campo “Total”.

Pontuação Individual

A pontuação individual de cada atributo do café é anotada na área correspondente, na caixa ao lado do nome. Esta pontuação corresponde à qualidade do atributo, e deve ser avaliada de acordo com a percepção e experiência do avaliador. Em Fragrância\Aroma, Acidez e Corpo, existe uma segunda escala para indicar a intensidade deste item sensorial. Cada atributo é descrito em detalhes abaixo:

Fragrância\Aroma

Os aspectos aromáticos do café são divididos em dois itens, a Fragrância, que é o cheiro do café moído seco e Aroma, quando está em infusão com a água. Este item é avaliado em 3 etapas, antes de colocar a água, cheirando o pó seco, no momento da quebra da crosta que se forma e ao longo do processo de cupping. É também definido a intensidade, tanto do café seco, quanto da quebra. A pontuação final do atributo será a média de todos os itens avaliados.

Sabor

Sabor é o principal componente de qualidade de um café. As notas atribuídas ao Sabor devem levar em consideração a intensidade, qualidade e complexidade de seu sabor e aroma. Ocorre imediatamente após o café ser espirado vigorosamente na boca afim de cobrir toda língua e palato.

Roda de Aromas e Sabores da SCAA
Roda de Aromas e Sabores da SCAA

A Roda de Aromas e Sabores da SCAA, ou SCAA Flavor Wheel, é uma ótima ferramenta para auxiliar o avaliador a rotular um aroma ou sabor que está em sua mente, mas carece de uma correspondência que possa ser utilizada para transmitir a informação.

Aftertaste

Aftertaste ou Retrogosto é o sabor residual que permanece na parte de trás da língua após o café ser engolido ou cuspido. É avaliado sua persistência e qualidade.

Acidez

A acidez pode ser descrita como brilhante, se agradável ou azeda, quando desagradável. A acidez contribui para a vivacidade do café, sua doçura e frescor, realçando os sabores de frutas frescas. É imediatamente percebida nas laterais da língua. Na avaliação também é definida sua intensidade. A pontuação deve ser dada de acordo com as características da acidez de acordo com a finalidade do café. Uma acidez elevada pode ser positivo para o método coado, mas agressivo para o espresso, por exemplo.

Corpo

A qualidade do corpo é baseado na sensação tátil do café na língua e palato. Amostras com corpo pesado tentem a receberem uma pontuação maior devido à presença de mais sólidos insolúveis (coloides) e sacarose.

Equilíbrio

Equilíbrio é a avaliação dos atributos Sabor, Aftertaste, Acidez e Corpo combinamos e a percepção que eles, em conjunto, causam no avaliador. Se estes atributos não estiverem em sintonia, deve ser atribuído uma nota mais baixa.

Doçura

Este atributo refere-se à sensação agradável de sabor do café proveniente da doçura de certos carboidratos presentes. O oposto de doçura, neste contexto, seria o azedo e adstringência. É atribuído 2 pontos por xícara, num total de 10 pontos.

Ausência de Defeitos ou Xícara Limpa

Neste item é avaliado interferências negativas desde o primeiro momento em que o café é provado até sua ingestão ou eliminação. Qualquer sabor proveniente de defeitos é avaliado e irá rebaixar sua nota. Também é atribuído 2 pontos por xícara, no máximo de 10 pontos.

Uniformidade

Uniformidade refere-se à consistência nas diferentes xícaras da mesma amostra. Caso uma xícara apresente sabores e aromas levemente diferentes, a amostra não estaria uniforme, atribuindo-se nota 0 na xícara desuniforme.

Final ou Nota Geral

A pontuação Final, ou Nota Geral é a percepção global das qualidades do café atribuídas pelo provador. Um café que atendeu as expectativas deverá receber uma pontuação alta. Um café com muitos aspectos positivos, mas com algum atributo deficiente deverá receber uma pontuação menor. Aqui, o avaliador faz sua classificação pessoal atribuindo sua nota.

Defeitos

Defeitos são sabores negativos que depreciam a percepção de qualidade do café. Existem duas classificações de defeitos, um quanto à intensidade e outro quanto à quantidade. Um defeito leve geralmente é percebido através dos aromas, recebe pontuação 2. Já os defeitos considerados fortes, recebem 4 pontos. Defeitos fortes são sabores desagradáveis, geralmente sabores de borracha, fermentados, sabores fenólicos ou azedos. A pontuação é multiplicada pelo número de xícaras onde o defeito foi identificado pela sua intensidade, 2 para leve ou 4 para forte.

Pontuação Final

A pontuação final é calculada somando-se a pontuação individual de cada atributo e anotado no campo “Total” do formulário. Os defeitos são, então, subtraídos deste total, desta forma se obtêm a pontuação final do café, conforme tabela abaixo:

Pontuação Final pelo método SCAA.

Conclusão

Conhecer os métodos utilizados pelos profissionais desperta em nós, consumidores comuns, a atenção à qualidade do café que estamos consumindo, além de treinar nosso paladar e olfato para identificar problemas e defeitos. Não é raro encontrar, por exemplo, cafés que estampam a nomenclatura “Especial” em seus rótulos, mas que estão longe de atingir tal pontuação.

Um consumidor bem informado e treinado certamente não será enganado!

A Ciência da Torra

Por Ronaldo Muinhos, Diretor e especialista em café do Buenavista Café.

A torra é responsável por mudanças físico-químicas que permite tornar o grão de café verde palatável para nós, além de desenvolver seus sabores e aromas característicos.

A torra do Buenavista Café é reconhecida por clientes, parceiros e publicações do setor por sua alta qualidade e precisão. Mas quais são os processos envolvidos nesta fase, que é considerada uma das mais importantes na cadeia cafeeira?

Processos da Torra

A torra do café verde normalmente ocorre em temperaturas acima de 200°C onde são desenvolvidos os sabores e aromas, além de alterações estruturais no grão.

As alterações físico-químicos que ocorrem  durante o processo de torra são complexos, envolvendo muitas interações entre compostos.

Principais eventos durante no grão de café durante a torra.

Durante a torra, calor proveniente do ar ou superfícies quentes do torrador é transferido para os grãos. O aumento interno da temperatura provoca a evaporação da umidade dos grãos em um processo Endotérmico. Com o aumento da temperatura, reações exotérmicas têm início, concomitantemente com a formação de compostos voláteis e CO2. Com o aumento da pressão interna, ocorre a expansão dos grãos, causando pequenas rachaduras em suas paredes, evento conhecido como crack. Quando se atinge o grau de torra desejado, os grãos são despejados em uma bandeja de resfriamento para interromper a torra. O resfriamento não deve ultrapassar os cinco minutos.

Mudanças Físico-Químicas

A torra de café é um processo altamente complexo, envolvendo um grande número de reações químicas e muitas reações físicas. Elas ocorrem entre 10 a 15 minutos para temperaturas acima de  200°C.

Nas últimas décadas, muitos pesquisadores investigaram as mudanças do café durante o processo de torra, mas não foram capazes de determinar por completo este processo.

Mudanças Químicas

O principal carboidrato presente no grão verde é a sacarose. Em geral, grãos Arábica possuem duas vezes mais sacarose que grãos Robusta ou Conilon. Durante a torra, a sacarose é rapidamente degradada, permanecendo uma pequena quantidade no grão torrado. Esta pequena quantidade de sacarose sofre um processo de pirólise e caramelização. Uma pequena fração desta sacarose residual é hidrolisada em glicose e frutose, que terão papel importante na reação de Maillard, responsável, principalmente, por conferir cor e sabor ao café.

Outros compostos químicos importantes que sofrem alterações são os ácidos clorogênicos, lipídios e compostos contendo nitrogênio.

Reação de Maillard

A reação de Maillard tem muita importância para a qualidade final do café.  É através dela que o grão adquire sua cor marrom e seus aromas característicos. Esta reação foi primeiramente descrita pelo químico francês Louis-Camille Maillard em 1912.

Nesta reação ocorre a degradação de carboidratos e aminoácidos, que formam compostos de coloração escura chamados maloidinas. Ocorre também a formação de compostos voláteis responsáveis pelo aroma.

Pirólise

É a decomposição de materiais pela ação de altas temperaturas. Neste processo, ocorre a ruptura da estrutura molecular original do grão pela ação do calor em um ambiente com pouco ou nenhum oxigênio.

Mudanças Físicas
Espectro de torra.
Espectro de torra.

A cor dos grãos mudam progressivamente, passando do verde ao marrom escuro. A cor final dependerá do ponto de torra desejado. Com a desidratação e pirólise, há uma perda de massa entre 14% a 20%, o que pode variar com o grão utilizado e também o ponto de torra, sendo que em torras mais escuras, teremos maior perda. Uma torra de 1Kg de café verde pode produzir cerca de 850g de café torrado, por exemplo (15% de perda).

Outra mudança significativa é o aumento do tamanho dos grãos devido a formação de CO2, vapor e compostos voláteis. Os grãos podem aumentar seu volume em até 40%, com isso sua densidade diminui proporcionalmente. Ocorre também a formação de porosidades (citoplasmas), onde se alojam muitos compostos responsáveis pelo sabor como lípidos, proteínas, carboidratos, cafeína, ácidos clorogênicos e minerais.

Diferença de porosidades no café verde e torrado
Diferença de porosidades no café verde e torrado.

Torradores

Os equipamentos de torra são desenvolvidos para permitir que ar quente e grãos entrem em contato entre si para que o processo de torra ocorra. Existem vários tipos de torradores mas, em geral, apresentam seis componentes básicos:

  1. Tambor de Torra, onde os grãos são torrados;
  2. Misturadores presentes no tambor para homogenizar as trocas de calor;
  3. Controle de Temperatura;
  4. Controle de Fluxo de Ar;
  5. Bandeja de Resfriamento;
  6. Coletor de Películas.
Componentes básicos de um torrador de café.
Transferências de Calor

Os torradores atuais, em geral, contém os três tipos de transferência de calor atuando em conjunto em diferentes graus, dependendo da característica do equipamento. A transferência por convecção é a predominante nas tecnologias atuais.

Transferência por Condução

Ocorre através do contato físico do grão com a parede aquecida do tambor de torra. A utilização do aço-carbono oferecem uma temperatura uniforme em toda a superfície do tambor.

Transferência por Radiação

Ocorre por meio de ondas eletromagnéticas, é uma fonte secundária de calor.

Transferência por Convecção

Este tipo de transferência ocorre através do aquecimento do ar na parte inferior do tambor, este ar aquecido sobe e o ar mais frio de cima desce, ocorrendo um processo circular.  Geralmente os tambores de torra são perfurados para aumentar este tipo de transferência, considerado a mais eficiente.

Controle do Grau de Torra
Controle por Cor ou Visual

Para controlar o ponto de torra desejado são utilizados duas principais técnicas. A primeira, e mais comum, é o controle pela cor, ou controle visual. Nela, o Mestre Torrador acompanha a evolução na cor dos grãos por um coletor de amostras. Quando o café atinge a coloração pretendida, é interrompido o processo e o café é então resfriado. Pode ser utilizado tabelas de cores de referência, como as tabelas Agtron.

Neste tipo de controle podem ocorrer variações no ponto de torra, decorrente de algumas interferências na detecção da cor do grão pelo olho humano. Essas interferências podem ser na luminosidade do ambiente, claridade do dia, e a diferença de visão entre pessoas. Até o simples hábito de verificar o celular durante o processo pode interferir negativamente na identificação da cor, por conta da interferência na visão pela luminosidade do aparelho.

Torra, ciência ou arte? #terceiraondadocafe #thirdwavecoffee #cafeespecial #café

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Controle por Perfil

A torra por Perfil é uma técnica mais moderna e precisa e que proporciona maior reprodutibilidade de um mesmo ponto de torra.

Perfil de torra  é o gráfico que descreve a temperatura em relação ao tempo de torra. Geralmente o controle é feito por sistemas informatizados, onde é possível acompanhar minuto a minuto se a temperatura da torra está seguindo o perfil determinado para aquele café.

Perfil de torra no sistema desenvolvido pelo Buenavista Café.
Perfil de torra no sistema desenvolvido pelo Buenavista Café.

Para cada café é desenvolvido um perfil de torra que potencialize suas qualidades e minimize seus atributos indesejados, como uma acidez agressiva por exemplo. Os passos para se desenvolver um perfil de torra são descritos abaixo:

  1. Determinar o ponto de torra ideal, ou temperatura final, através da experimentação, partindo de um perfil padrão;
  2. Determinar o tempo de torra ideal para atingir a temperatura final;
  3. Desenvolver o perfil para a temperatura final e tempo através dos ajustes na intensidade da chama e fluxo de ar.
Exemplo de uma torra em andamento no Sistema Buenavista Café. A linha vermelha é o perfil almejado e a azul a torra atual. Percebe-se que a temperatura atual apresenta-se maior que a do perfil.
Exemplo de uma torra em andamento no Sistema Buenavista Café. A linha vermelha é o perfil almejado e a azul a torra atual. Percebe-se que a temperatura atual apresenta-se maior que a do perfil.

Para quem deseja se aprofundar no assunto, e se tornar um Mestre de Torra, o Buenavista Café oferece o Curso Básico de Torra por Perfil. Além de toda a base teórica, o aluno tem a oportunidade de torrar amostras de café aplicando os conhecimentos.

Interessados em adquirir cópia de nosso Sistema de Torra por Perfil podem fazer o pedido na nossa Loja On-line!

Software Coffee Roast

Boas Torras!

A água também interfere no café (Parte 2)

No post A Água Também Interfere no Café, vimos como é importante levar esse ingrediente em conta na hora do preparo da bebida.

Mas como escolher a água?

As recomendações da SCAA parecem complicadas e muito técnicas para o usuário de café.
Nesse segundo post sobre o tema, vamos esclarecer os requisitos para facilitar a compra no supermercado.

Selecionar as características ideais da água é essencial para um bom resultado na xícara
Selecionar as características ideais da água é essencial para um bom resultado na xícara
Odor e coloração

Esses são fáceis, não é mesmo? A água não pode estar turva, nem com cheiro ruim. Isso indicaria substâncias indesejáveis em suspensão no líquido.

Cloro

Mais presente na água da torneira, adicionado pela concessionária; pode ser removido, total ou parcialmente, por muitos filtros disponíveis no mercado. No caso de água mineral, não costuma ser um elemento presente.

Sólidos dissolvidos totais

Muitas vezes, vem apresentado no rótulo como “resíduo de evaporação”. A SCAA recomenda algo em torno de 150 mg/l. De modo geral, valores muito baixos, inferiores a 100 mg/l, deixam a água leve demais ou neutra, enquanto que valores muito altos, acima de 250 mg/l, deixam a água muito dura.

Água mole, água dura? Mas o que é isso?

Dureza da água é a propriedade relacionada com a concentração de íons de determinados minerais dissolvidos nesta substância. É predominantemente causada pela presença de sais de Cálcio e Magnésio.
É medida geralmente com base na quantidade de Partes por milhão de Carbonato de Cálcio CaCO3, também representada como mg/l de Cálcio CaCO3. Quanto maior a quantidade de “ppm”, mais “dura” será considerada a água.
Embora não haja uma convenção formal, a título de praticidade, a água pode ser classificada quanto a dureza de acordo com as medidas seguintes:

Muito mole:      0 a 70 ppm
Mole (branda): 70 a 135 ppm
Média dureza: 135 a 200 ppm
Dura:         200 a 350 ppm
Muito dura:   Mais de 350 ppm

As águas europeias têm a fama de serem muito duras, enquanto as brasileiras, mais moles.
Inclusive, não se recomenda usar água muito dura em máquinas de espresso, pois pode haver o fenômeno da calcificação dos componentes. Os sólidos presentes na água se depositam nas peças da máquina, que passa a exigir limpeza mais frequente para retirá-los.

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Alcalinidade

Devida principalmente aos carbonatos e bicarbonato e, secundariamente, por outros íons. A alcalinidade é a soma da alcalinidade produzida por todos esses íons. Impacta diretamente no pH.

pH

Soluções com pH menor que 7 são ácidas, e com pH maior que 7, básicas ou alcalinas. A água pura é neutra (pH = 7), sendo assim não é considerada ácida nem básica. A SCAA recomenda valores entre 6.5 e 7.5, justamente para que o pH da água seja o mais neutro possível e não interfira muito no pH esperado do café preparado com aquele grão.

Sódio

Próximo de 10 mg/l é o recomendado. O sódio elevado pode deixar um gosto “salgado” no café, e interferir na percepção de sabor.

Além das recomendações da SCAA, há outros elementos na água que interferem no sabor final da bebida:

Bicarbonato

Ideal que esteja entre 30 e 50 mg/l. O Bicarbonato neutraliza os ácidos ruins, mas não só estes. Por esse motivo, havendo bicarbonato em excesso, o café ficará “flat”, sem brilho. Um conceito oficial de “brilho” na SCAA é referente especificamente à acidez: quando mencionam que o café está brilhando é porque principalmente a acidez está complexa, distintiva, com notas diferentes e claras presentes.
No entanto, o Bicarbonato pode salvar alguns cafés naturalmente muito ácidos (mas vai matar cafés com acidez média ou baixa). Importante é escolher qual o tipo de água que funciona melhor com cada tipo de café.

Magnésio

Entre 30 e 50 mg/l, é um grande favorecedor de aromas e sabores.

Cálcio

Sua presença define o outro fator de dureza da água (principalmente quando combinado com o magnésio, este em doses altas), e águas duras são problemáticas para extração de solúveis indesejáveis, mas há quem as prefira em certos países. Os parâmetros ideais são em torno de 10 a 20 mg/l.

Experimentos sobre efeitos da qualidade da água no café (Five Senses Coffee)
Experimentos sobre efeitos da qualidade da água no café (Five Senses Coffee)

As informações apresentadas servem apenas como referência, pois há muitas outras variáveis envolvidas no preparo do café: método de preparo, tempo de infusão, tempo de torra, grau de moagem, o grão em si… Grãos diferentes podem se comportar de maneira completamente distinta com a mesma água – e vice-versa! Por isso, o ideal é fazer vários testes e encontrar a sua receita preferida de preparo.

Leia Também: A Água também Interfere no Café (Parte 1).

[Por: Simone Lazzarini, Coffee Lover e cliente Buenavista Café]
Fontes:

1. Preparação de água – guias e testes
http://forum.clubedocafe.net/index.php?/topic/4521-prepara%C3%A7%C3%A3o-de-%C3%A1gua-guias-e-testes/

2. Águas minerais de algumas fontes naturais brasileiras
http://www.scielo.br/pdf/ramb/v45n3/1658.pdf

3. “A delicada questão da água”
http://www.thecoffeetraveler.net/new-blog-5/2015/8/24/a-delicada-questo-da-gua

4. “O jogo da água”
http://www.thecoffeetraveler.net/new-blog-5/2015/8/24/o-jogo-da-gua

5. Water For Coffee – A Sensory Viewpoint with Maxwell Colonna-Dashwood (em inglês)
http://europeancoffeetrip.com/water-for-coffee-maxwell-colonna-dashwood/

6. Dureza da água
https://pt.wikipedia.org/wiki/Dureza_da_água