A Ciência da Torra

Por Ronaldo Muinhos, Diretor e especialista em café do Buenavista Café.

A torra é responsável por mudanças físico-químicas que permite tornar o grão de café verde palatável para nós, além de desenvolver seus sabores e aromas característicos.

A torra do Buenavista Café é reconhecida por clientes, parceiros e publicações do setor por sua alta qualidade e precisão. Mas quais são os processos envolvidos nesta fase, que é considerada uma das mais importantes na cadeia cafeeira?

Processos da Torra

A torra do café verde normalmente ocorre em temperaturas acima de 200°C onde são desenvolvidos os sabores e aromas, além de alterações estruturais no grão.

As alterações físico-químicos que ocorrem  durante o processo de torra são complexos, envolvendo muitas interações entre compostos.

Principais eventos durante no grão de café durante a torra.

Durante a torra, calor proveniente do ar ou superfícies quentes do torrador é transferido para os grãos. O aumento interno da temperatura provoca a evaporação da umidade dos grãos em um processo Endotérmico. Com o aumento da temperatura, reações exotérmicas têm início, concomitantemente com a formação de compostos voláteis e CO2. Com o aumento da pressão interna, ocorre a expansão dos grãos, causando pequenas rachaduras em suas paredes, evento conhecido como crack. Quando se atinge o grau de torra desejado, os grãos são despejados em uma bandeja de resfriamento para interromper a torra. O resfriamento não deve ultrapassar os cinco minutos.

Mudanças Físico-Químicas

A torra de café é um processo altamente complexo, envolvendo um grande número de reações químicas e muitas reações físicas. Elas ocorrem entre 10 a 15 minutos para temperaturas acima de  200°C.

Nas últimas décadas, muitos pesquisadores investigaram as mudanças do café durante o processo de torra, mas não foram capazes de determinar por completo este processo.

Mudanças Químicas

O principal carboidrato presente no grão verde é a sacarose. Em geral, grãos Arábica possuem duas vezes mais sacarose que grãos Robusta ou Conilon. Durante a torra, a sacarose é rapidamente degradada, permanecendo uma pequena quantidade no grão torrado. Esta pequena quantidade de sacarose sofre um processo de pirólise e caramelização. Uma pequena fração desta sacarose residual é hidrolisada em glicose e frutose, que terão papel importante na reação de Maillard, responsável, principalmente, por conferir cor e sabor ao café.

Outros compostos químicos importantes que sofrem alterações são os ácidos clorogênicos, lipídios e compostos contendo nitrogênio.

Reação de Maillard

A reação de Maillard tem muita importância para a qualidade final do café.  É através dela que o grão adquire sua cor marrom e seus aromas característicos. Esta reação foi primeiramente descrita pelo químico francês Louis-Camille Maillard em 1912.

Nesta reação ocorre a degradação de carboidratos e aminoácidos, que formam compostos de coloração escura chamados maloidinas. Ocorre também a formação de compostos voláteis responsáveis pelo aroma.

Pirólise

É a decomposição de materiais pela ação de altas temperaturas. Neste processo, ocorre a ruptura da estrutura molecular original do grão pela ação do calor em um ambiente com pouco ou nenhum oxigênio.

Mudanças Físicas
Espectro de torra.
Espectro de torra.

A cor dos grãos mudam progressivamente, passando do verde ao marrom escuro. A cor final dependerá do ponto de torra desejado. Com a desidratação e pirólise, há uma perda de massa entre 14% a 20%, o que pode variar com o grão utilizado e também o ponto de torra, sendo que em torras mais escuras, teremos maior perda. Uma torra de 1Kg de café verde pode produzir cerca de 850g de café torrado, por exemplo (15% de perda).

Outra mudança significativa é o aumento do tamanho dos grãos devido a formação de CO2, vapor e compostos voláteis. Os grãos podem aumentar seu volume em até 40%, com isso sua densidade diminui proporcionalmente. Ocorre também a formação de porosidades (citoplasmas), onde se alojam muitos compostos responsáveis pelo sabor como lípidos, proteínas, carboidratos, cafeína, ácidos clorogênicos e minerais.

Diferença de porosidades no café verde e torrado
Diferença de porosidades no café verde e torrado.

Torradores

Os equipamentos de torra são desenvolvidos para permitir que ar quente e grãos entrem em contato entre si para que o processo de torra ocorra. Existem vários tipos de torradores mas, em geral, apresentam seis componentes básicos:

  1. Tambor de Torra, onde os grãos são torrados;
  2. Misturadores presentes no tambor para homogenizar as trocas de calor;
  3. Controle de Temperatura;
  4. Controle de Fluxo de Ar;
  5. Bandeja de Resfriamento;
  6. Coletor de Películas.
Componentes básicos de um torrador de café.
Transferências de Calor

Os torradores atuais, em geral, contém os três tipos de transferência de calor atuando em conjunto em diferentes graus, dependendo da característica do equipamento. A transferência por convecção é a predominante nas tecnologias atuais.

Transferência por Condução

Ocorre através do contato físico do grão com a parede aquecida do tambor de torra. A utilização do aço-carbono oferecem uma temperatura uniforme em toda a superfície do tambor.

Transferência por Radiação

Ocorre por meio de ondas eletromagnéticas, é uma fonte secundária de calor.

Transferência por Convecção

Este tipo de transferência ocorre através do aquecimento do ar na parte inferior do tambor, este ar aquecido sobe e o ar mais frio de cima desce, ocorrendo um processo circular.  Geralmente os tambores de torra são perfurados para aumentar este tipo de transferência, considerado a mais eficiente.

Controle do Grau de Torra
Controle por Cor ou Visual

Para controlar o ponto de torra desejado são utilizados duas principais técnicas. A primeira, e mais comum, é o controle pela cor, ou controle visual. Nela, o Mestre Torrador acompanha a evolução na cor dos grãos por um coletor de amostras. Quando o café atinge a coloração pretendida, é interrompido o processo e o café é então resfriado. Pode ser utilizado tabelas de cores de referência, como as tabelas Agtron.

Neste tipo de controle podem ocorrer variações no ponto de torra, decorrente de algumas interferências na detecção da cor do grão pelo olho humano. Essas interferências podem ser na luminosidade do ambiente, claridade do dia, e a diferença de visão entre pessoas. Até o simples hábito de verificar o celular durante o processo pode interferir negativamente na identificação da cor, por conta da interferência na visão pela luminosidade do aparelho.

Torra, ciência ou arte? #terceiraondadocafe #thirdwavecoffee #cafeespecial #café

A photo posted by Buenavista Café (@buenavista_cafe) on

Controle por Perfil

A torra por Perfil é uma técnica mais moderna e precisa e que proporciona maior reprodutibilidade de um mesmo ponto de torra.

Perfil de torra  é o gráfico que descreve a temperatura em relação ao tempo de torra. Geralmente o controle é feito por sistemas informatizados, onde é possível acompanhar minuto a minuto se a temperatura da torra está seguindo o perfil determinado para aquele café.

Perfil de torra no sistema desenvolvido pelo Buenavista Café.
Perfil de torra no sistema desenvolvido pelo Buenavista Café.

Para cada café é desenvolvido um perfil de torra que potencialize suas qualidades e minimize seus atributos indesejados, como uma acidez agressiva por exemplo. Os passos para se desenvolver um perfil de torra são descritos abaixo:

  1. Determinar o ponto de torra ideal, ou temperatura final, através da experimentação, partindo de um perfil padrão;
  2. Determinar o tempo de torra ideal para atingir a temperatura final;
  3. Desenvolver o perfil para a temperatura final e tempo através dos ajustes na intensidade da chama e fluxo de ar.
Exemplo de uma torra em andamento no Sistema Buenavista Café. A linha vermelha é o perfil almejado e a azul a torra atual. Percebe-se que a temperatura atual apresenta-se maior que a do perfil.
Exemplo de uma torra em andamento no Sistema Buenavista Café. A linha vermelha é o perfil almejado e a azul a torra atual. Percebe-se que a temperatura atual apresenta-se maior que a do perfil.

Para quem deseja se aprofundar no assunto, e se tornar um Mestre de Torra, o Buenavista Café oferece o Curso Básico de Torra por Perfil. Além de toda a base teórica, o aluno tem a oportunidade de torrar amostras de café aplicando os conhecimentos.

Interessados em adquirir cópia de nosso Sistema de Torra por Perfil podem fazer o pedido na nossa Loja On-line!

Software Coffee Roast

Boas Torras!

A água também interfere no café (Parte 2)

No post A Água Também Interfere no Café, vimos como é importante levar esse ingrediente em conta na hora do preparo da bebida.

Mas como escolher a água?

As recomendações da SCAA parecem complicadas e muito técnicas para o usuário de café.
Nesse segundo post sobre o tema, vamos esclarecer os requisitos para facilitar a compra no supermercado.

Selecionar as características ideais da água é essencial para um bom resultado na xícara
Selecionar as características ideais da água é essencial para um bom resultado na xícara
Odor e coloração

Esses são fáceis, não é mesmo? A água não pode estar turva, nem com cheiro ruim. Isso indicaria substâncias indesejáveis em suspensão no líquido.

Cloro

Mais presente na água da torneira, adicionado pela concessionária; pode ser removido, total ou parcialmente, por muitos filtros disponíveis no mercado. No caso de água mineral, não costuma ser um elemento presente.

Sólidos dissolvidos totais

Muitas vezes, vem apresentado no rótulo como “resíduo de evaporação”. A SCAA recomenda algo em torno de 150 mg/l. De modo geral, valores muito baixos, inferiores a 100 mg/l, deixam a água leve demais ou neutra, enquanto que valores muito altos, acima de 250 mg/l, deixam a água muito dura.

Água mole, água dura? Mas o que é isso?

Dureza da água é a propriedade relacionada com a concentração de íons de determinados minerais dissolvidos nesta substância. É predominantemente causada pela presença de sais de Cálcio e Magnésio.
É medida geralmente com base na quantidade de Partes por milhão de Carbonato de Cálcio CaCO3, também representada como mg/l de Cálcio CaCO3. Quanto maior a quantidade de “ppm”, mais “dura” será considerada a água.
Embora não haja uma convenção formal, a título de praticidade, a água pode ser classificada quanto a dureza de acordo com as medidas seguintes:

Muito mole:      0 a 70 ppm
Mole (branda): 70 a 135 ppm
Média dureza: 135 a 200 ppm
Dura:         200 a 350 ppm
Muito dura:   Mais de 350 ppm

As águas europeias têm a fama de serem muito duras, enquanto as brasileiras, mais moles.
Inclusive, não se recomenda usar água muito dura em máquinas de espresso, pois pode haver o fenômeno da calcificação dos componentes. Os sólidos presentes na água se depositam nas peças da máquina, que passa a exigir limpeza mais frequente para retirá-los.

good coffee comes from concentrated powering water techniques #hario #v60 #buono #pourover #coffee

A photo posted by Hario Tokyo (@hario_japan) on

Alcalinidade

Devida principalmente aos carbonatos e bicarbonato e, secundariamente, por outros íons. A alcalinidade é a soma da alcalinidade produzida por todos esses íons. Impacta diretamente no pH.

pH

Soluções com pH menor que 7 são ácidas, e com pH maior que 7, básicas ou alcalinas. A água pura é neutra (pH = 7), sendo assim não é considerada ácida nem básica. A SCAA recomenda valores entre 6.5 e 7.5, justamente para que o pH da água seja o mais neutro possível e não interfira muito no pH esperado do café preparado com aquele grão.

Sódio

Próximo de 10 mg/l é o recomendado. O sódio elevado pode deixar um gosto “salgado” no café, e interferir na percepção de sabor.

Além das recomendações da SCAA, há outros elementos na água que interferem no sabor final da bebida:

Bicarbonato

Ideal que esteja entre 30 e 50 mg/l. O Bicarbonato neutraliza os ácidos ruins, mas não só estes. Por esse motivo, havendo bicarbonato em excesso, o café ficará “flat”, sem brilho. Um conceito oficial de “brilho” na SCAA é referente especificamente à acidez: quando mencionam que o café está brilhando é porque principalmente a acidez está complexa, distintiva, com notas diferentes e claras presentes.
No entanto, o Bicarbonato pode salvar alguns cafés naturalmente muito ácidos (mas vai matar cafés com acidez média ou baixa). Importante é escolher qual o tipo de água que funciona melhor com cada tipo de café.

Magnésio

Entre 30 e 50 mg/l, é um grande favorecedor de aromas e sabores.

Cálcio

Sua presença define o outro fator de dureza da água (principalmente quando combinado com o magnésio, este em doses altas), e águas duras são problemáticas para extração de solúveis indesejáveis, mas há quem as prefira em certos países. Os parâmetros ideais são em torno de 10 a 20 mg/l.

Experimentos sobre efeitos da qualidade da água no café (Five Senses Coffee)
Experimentos sobre efeitos da qualidade da água no café (Five Senses Coffee)

As informações apresentadas servem apenas como referência, pois há muitas outras variáveis envolvidas no preparo do café: método de preparo, tempo de infusão, tempo de torra, grau de moagem, o grão em si… Grãos diferentes podem se comportar de maneira completamente distinta com a mesma água – e vice-versa! Por isso, o ideal é fazer vários testes e encontrar a sua receita preferida de preparo.

Leia Também: A Água também Interfere no Café (Parte 1).

[Por: Simone Lazzarini, Coffee Lover e cliente Buenavista Café]
Fontes:

1. Preparação de água – guias e testes
http://forum.clubedocafe.net/index.php?/topic/4521-prepara%C3%A7%C3%A3o-de-%C3%A1gua-guias-e-testes/

2. Águas minerais de algumas fontes naturais brasileiras
http://www.scielo.br/pdf/ramb/v45n3/1658.pdf

3. “A delicada questão da água”
http://www.thecoffeetraveler.net/new-blog-5/2015/8/24/a-delicada-questo-da-gua

4. “O jogo da água”
http://www.thecoffeetraveler.net/new-blog-5/2015/8/24/o-jogo-da-gua

5. Water For Coffee – A Sensory Viewpoint with Maxwell Colonna-Dashwood (em inglês)
http://europeancoffeetrip.com/water-for-coffee-maxwell-colonna-dashwood/

6. Dureza da água
https://pt.wikipedia.org/wiki/Dureza_da_água